MAL ENTENDIDO


                     

Será que realmente existe o dito pelo não dito? Esta é uma simples crônica que fala de alguém que não falou nada, e mesmo assim,  de alguma forma, foi entendido. Talvez?



Era domingo e, só para variar, eu estava muito entediado. Para ser honesto, mesmo nos demais dias, há muito que eu não sabia sentir-me de outra forma a não ser assim. Jazendo no sofá da sala, enquanto me deparava com um penoso dilema de escolher entre o que fazer primeiro, se bocejar ou espirrar, minha mulher surgiu. Do nada. Assustei-me e, sem muito livre arbítrio, acabei espirrando.

- O que você disse? Repete? – ela pediu, aparentemente possessa.

- Oi?

- Um minuto atrás. O que você disse, Michael?

- Quê?

- Não se faça de idiota, Michael! Por mais que você realmente seja, fale a verdade!

- Eu.. Eu não sei do que...

Ela bufou, e no mesmo instante ficou tão vermelha como aquele Angry Bird. Seus olhos me fuzilavam, e o que me deixou ainda mais desconcertado e sem entender absolutamente nada do que estava acontecendo.

- Michael, eu não aguento mais isso! Você sempre fala o que quer, faz o que quer, finge que não me entende só pra fazer eu me sentir uma retardada, mas pra mim já chega!!! OUVIU? CHEGA!!!

Sim, ela realmente estava gritando. E quanto mais elevava o timbre de sua voz, mais acuado e perplexo eu me sentia. Juro por Deus que tentei, é sério!, eu tentei mesmo replicar e tentar compreender que diabos ela achava que tinha me ouvido dizer, mas não conseguia.

Bem, não era a primeira vez que minha esposa surtava desse jeito. Na verdade, surtar era o que mais ela vinha fazendo ultimamente. Era como se a minha mera existência próxima a sua fosse capaz de provocar tal reação.

- Laís, eu...

Tentei questionar numa brecha que encontrei entre o seu último berro e uma respiração profunda, mas não tive muito mais tempo do que isso. Um segundo depois, ela voltava a esbravejar, despejando uma torrente de frustrações oriundas de, segundo ela, vacilos que eu cometi. A maioria, não era a primeira vez que mencionava. Fiquei surpreso com alguns novos que, pelo visto, haviam sido atualizados em seu catálogo.

Ainda tentei, novamente, falar alguma coisa. E, mais uma vez, não tive sucesso nisso. Minha mulher continuou por mais uns quarenta minutos brigando até que, num rompante, me mandou embora de casa. A princípio eu achei que era apenas uma força de expressão, ou o calor do momento, mas, aquele olhar... aquele sinistro olhar não estava brincando. E, tampouco, queria negociar.

Respirei fundo, levantei-me do sofá e fiz exatamente o que ela mandou. Juntei minhas coisas numa mala e, ainda em silêncio, parti. É óbvio que, mais para frente, enfrentaríamos uma estressante batalha quanto à divisão de bens pelo divórcio. Porém, enquanto saía da casa que sem dúvidas ficaria com a Laís, eu não ponderava sobre esse futuro reparte. A única coisa na qual pensava ao atravessar os portões era que, no fim das contas, naquela fatídica tarde, eu realmente não havia dito nada.

E, mesmo assim, ela havia entendido tudo.


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